A Narradora

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Juliana
Estudante de Biologia, escritora e desenhista meia-boca nas horas vagas. Odeio cebola, acordar cedo e ficar muito tempo sem ter o que fazer. Na maioria das vezes sou quieta demais e prefiro continuar desse jeito. E sim, meu cérebro às vezes tem lag, problemas com interpretações múltiplas, vontade própria e está atualmente seriamente comprometido por um certo homem de covinhas.
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segunda-feira, 7 de julho de 2008

Dois pontos, travessão (1)

Capítulo 1 - Pelas ruas de Liverpool - Parte 1




A noite começava a cair lentamente e o ar tornava-se mais frio a cada segundo que passava. As largas calcadas da rua Albatroz eram varridas pelo vento que soprava levando as folhas amarelas que anunciavam a chegada do outono.

As luzes das casas começavam a ser acesas, e podia-se ver a fumaça branca que saía das chaminés e misturava-se com o céu já enegrecido. A rua estava deserta.

Ao longe, podia-se ouvir o barulho das corujas e os uivos dos lobos que contemplavam a lua cheia. No fim da rua, uma figura cabisbaixa caminhava vagarosamente, atravessando a densa névoa que pairava sobre a vizinhança.

A sombra seguia impassível num movimento contínuo, compassado, ritmado, e seus passos não eram ouvidos, apesar do silêncio que chegava a ser perturbador. Enquanto a criatura caminhava, as fracas luzes que vez ou outra ousavam cruzar seu caminho revelavam traços da aparência daquele ser.

Os longos cabelos da cor da noite eram levados pelo vento, e contrastavam com o tom pálido da pele daquele homem. A barba cerrada escondia a cicatriz do rosto, e os olhos verdes não mais refletiam o interior daquele casca que um dia já fora cheio de vida e alegria.

A grossa capa acinzentada que o cobria já não era suficiente para protegê-lo da baixa temperatura daquela noite de fim de Dezembro, e vendo-se forçado a pedir abrigo às portas que pareciam assistir a cada passo seu, parou.

As idéias chegavam difusas ao cérebro já prejudicado pelo álcool. Tinha dificuldade em organizar seus pensamentos, sua cabeça era um emaranhado de memórias dispersas e distantes que o assombravam.

Hesitou por um momento. Os olhos frios fitaram as janelas ao seu lado. Risadas, gritos, sombras que giravam outras no ar e causavam estardalhaço... Por um décimo de segundo aquele rosto sem expressão deixou-se tomar por uma lembrança longínqua em Dublin e, mostrando parte dos dentes amarelados, tentou esboçar um sorriso.

Era possível ver as luzes das árvores de natal dentro das casas, que juntamente com as decorações externas denunciavam a festa que chegaria dentro de poucos dias.

Conflitava com seu cérebro, com seu corpo, com sua alma. As botas recusavam-se a movimentar aquela carcaça que congelava pouco a pouco e pedia por abrigo. Talvez apenas uma caneca de chocolate quente para esquentar aqueles olhos gelados, ou um pedaço de pão para aliviar o estômago castigado pela fome de vários dias de caminhada solitária pelas ruas de Liverpool.
(Continua...)

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